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Clube de Leitura do Porto :: Hibisco Roxo



Nosso primeiro encontro do Clube de Leitura foi marcado por um dia chuvoso e frio, a cara de agosto em Florianópolis, muito diferente do harmattan nigeriano. Ainda assim, nos reunimos em 6 leitores para falar sobre "Hibisco Roxo", de Chimamanda Ngozi Adichie.

Não houve quem não gostou do livro, todos de alguma maneira se sentiram tocados pelo relato de Kambili,se identificando com diferentes aspectos da história, seja no âmbito religioso da criação dela, ou no cenário sóciopolítico conturbado da Nigéria com golpes e manifestações, e ainda até nas muitas refeições descritas, quando claras associações foram feitas, como o bolinho 'okpa' e o acarajé.

Por um momento nos detivemos em um trabalho investigativo com cada um levantando pontos que pudessem indicar a época ou ano que a história se passa. O contexto do golpe militar é um grande indicativo, mas fazendo uma breve pesquisa percebemos que a Nigéria tem uma história extremamente conturbada, permeada de golpes desde 1966, até tentativas recentes em 1999. Também levando em consideração os músicos nativos que Amaka ouvia, Fela Kuti, Chief Osadebe e Onyeka Onwenu além da descrição do mundo adolescente da prima que Kambili faz, concluímos que a década é dos anos 80. Houve um golpe em 31 de dezembro de 1983 e um em agosto de 1985.

Também bastante se debateu sobre o quanto do livro é biográfico, primeiro pensamos se teria a Chimamanda passado por abusos como Kambili. É um pouco difícil falar sobre isso, talvez o ato de tirar a violência do livro e pensá-la acontecendo sobre uma pessoa presente hoje crie embrulhos nos nossos estômagos e também bolhas de ar nas nossas gargantas, mas consentimos que mesmo não tendo sido vivenciada em carne e osso pela autora, era provavelmente uma realidade do seu mundo, que acontecia ao seu redor enquanto crescia e tomava consciência.

Mas quando se faz uma breve pesquisa sobre as origens de Chimamanda, uma outra relação surge. Adichie nasceu em Enugu sendo a 5ª de seis filhos. Eles cresceram na cidade universitária de Nsukka, o pai era professor de estatística e a mãe foi a primeira mulher a trabalhar no departamento de administração das fichas dos alunos na universidade. O nome dela é Grace Ifeoma.

Kambili é a narradora adolescente que nos traz a história. Chimamanda é a autora madura que com destreza na escrita nos passa as emoções. Se acreditamos que todo relato de ficção tem seu fundo de verdade, podemos olhar para o caçula Chima, de 7 anos, com sua "(...) pele escura como o fundo de uma panela de arroz queimado(...)" e enxergar o olhar observador de Chimamanda, que se declara uma leitora e escritora precoce, iniciando sua escrita aos 7 anos. "Chima" que como Amaka bem aponta, significa "Deus sabe mais", assim como uma escritora para com seu livro.

A narração de Kambili se utilizando de comidas e flores para descrever os elementos e situações a sua volta foi um aspecto muito pertinente levantado no nosso encontro. Quando Kambili e Jaja voltam a Enugu após a morte de Papa-Nnukwu, ela percebe hematomas no rosto da mãe: "Mama estava na porta de casa quando chegamos em nossa propriedade. Seu rosto estava inchado e a área em torno de seu olho direito estava do tom preto-arroxeado de um abacate maduro demais." Ou num dos momentos em que Kambili busca e acha a colocação certa para ter um retorno positivo de seu pai no momento da hora da família e ele toca afetuosamente sua mão: "Ele esticou a mão e pegou a minha, e eu sento como se minha boca estivesse cheia de açúcar derretido."

Mesmo para descrever os sentimentos, ela usa das cores e texturas das frutas e das flores, do preparo das refeições e dos climas intensos nigerianos para nos alcançar e tocar nossas emoções com seu relato. Até nos faz esquecer que é uma adolescente de 15 anos, é uma voz infantilizada. E isso evidencia o que Chimamanda chama de " a história de um lado só". Onde o relato vem só de uma fonte, em relação a Kambili vem de Papa e foi por toda sua vida. E uma história muito bem fundada e assentada por toda uma riqueza material, a propriedade de Papa era uma verdadeira fortaleza, muito bem guardada por funcionários atendendo a família em todos os momentos dos dias e do ano.

Também a história era reiterada por todos a sua volta que não poupavam elogios à benevolência do pai dela, de como ele era um Homem-Grande, que recebia prêmios pela coragem e caráter admiráveis. E mesmo àqueles próximos de Kambili era contada também a história de um lado só. Quando todos viam os irmãos como quietos e bem educados, era o poder abusivo do pai controlando os filhos através do medo. Quando as colegas de Kambili a consideravam uma riquinha metida era ela sozinha em seu mundo sem poder se comunicar, sem ter chance de contar sua história por ela mesma.

É gradualmente na casa de Tia Ifeoma que Kambili solta sua voz, finalmente quando consegue responder às implicâncias de Amaka. Não só para Kambili a estadia com a tia e os primos é libertadora, também para Jaja, quando a maturidade de Obiora, o primo mais novo que ele, como homem da casa se evidencia. O apartamento de Tia Ifeoma é um choque para os irmãos: sair da propriedade de banheiros espaçosos com tapetes macios e fofos para um banheiro único sem água. Para nós choca imaginar a caridade abundante de Eugene e a intolerância dogmática em relação ao pai e à irmã.

As visitas do Padre Amadi à casa de Tia Ifeoma dão um impulso ao amadurecimento de Kambili. Não só pela paixonite excitante de adolescente mas por ajudar a construir outra história, mostrar outros lados. Padre Amadi faz contraponto ao Padre Benedict, mostra outra forma de ver e amar Deus. "O Padre convidado rezou a missa com uma batina vermelha curta demais para ele. Ele era jovem e nos olhava com frequência enquanto lia os evangelhos, com seus olhos castanhos penetrando a congregação. Ao terminar, beijou a Bíblia devagar. Em outra pessoa teria parecido um gesto falso, mas nele pareceu genuíno."

A presença pontual do vermelho foi apontada como algo recorrente, parecendo um indicativo, um sinal de que há algo vindo. Tem o vermelho do sangue, como uma evidência que a violência perpetuada pelo pai foi além dos castigos meticulosos e bem planejados para não deixarem marcas ou danos incapacitadores nos seus filhos. O sangue que escorre da mãe pelo corredor da casa a caminho do hospital levando a vida do bebê e que escorrem depois das letras nos livros da escola quando Kambili começa a ler. Mas não só no sangue: "Eu o segui. A cada degrau que ele subia vestido com seu pijama de seda vermelho, suas nádegas balançavam como 'akamu' bem-feito, que tem a mesma consistência de gelatina." Seria o momento de punição por Kambili ter ficado em segundo lugar na turma, ela procura a maciez do tapete para sentir parte de si a salvo perante a dor que sabe que vai passar, e ainda assim ela expressa seu sentimento de amor pelo pai: "Os olhos dele estavam tristes. Fundos e tristes. Eu queria tocar seu rosto, passar a mão sobre sua pele borrachuda. Dentro daqueles olhos, havia histórias que eu jamais saberia."

As histórias que jamais saberia, mas sabia existirem. Talvez soubesse que aquela que conhecia, não poderia ser a única história existente.


Ao final do nosso encontro votamos o próximo livro a ser lido para o encontro de 18 de setembro: Rio Acima de Pedro Cesarino.


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